DESENVOLVIMENTO DE UM SISTEMA DE INFORMAÇÃO E ALERTA PRECOCE DA SECA E ELABORAÇÃO DE ESTRATÉGIAS DE PLANEJAMENTO PROATIVO DE ADAPTAÇÃO ÀS SECAS URBANAS (SIAPS)
A ideia de desenvolvimento desse trabalho surgiu quando o Banco Mundial, em 2013, identificou uma Assistência Técnica (AT) – “Preparação para as secas e resiliência as mudanças climáticas” para apoiar o esforço do governo brasileiro de aprimorar a gestão de secas. Um dos eixos de atuação da AT era a criação de um programa-piloto regional no Nordeste, para demonstrar ferramentas e estratégias concretas de gestão proativa da seca, através do desenvolvimento de um Monitor de Secas do Nordeste (MSNE) e de planos de preparação para as secas em bacias hidrográficas e em cidades. No projeto piloto urbano, foram realizados 2 planos de preparação para às secas. Primeiramente em Pernambuco, em que foram avaliados sistemas integrados e isolados na região Agreste (incluindo sistema e reservatório de Jucazinho), e no Ceará foi estudado o sistema de oferta de água Jaguaribe-Metropolitana que abastece a Região Metropolitana de Fortaleza.
O presente projeto aprimora o monitoramento de secas necessário para a definição dos estados de seca e definição de ações associadas a cada um desses estados. Nesse trabalho associa-se a informação oriunda do monitoramento de secas a informação oriunda da previsão climática sazonal, propondo-se nesse contexto o Sistema de Informação e Alerta Precoce de Seca (SIAPS).
O objetivo geral desse trabalho é criar o SIAPS, fundamentado no monitoramento e previsão sazonal e interanual de variáveis hidrometeorológicas e índices de seca, no intuito de dar suporte para a elaboração de planejamento adaptativo de seca em regiões hidrográficas e em sistemas de abastecimento urbano, tendo como objetivos específicos: a identificação os indicadores mais apropriados para a seca, a qual impacta na acumulação de água nos reservatórios do Sistema Jaguaribe-Metropolitana; a definição de gatilhos para tomadas de ações em conformidade com cada estado de seca; a simulação um sistema de monitoramento e previsão sazonal de vazões e/ou índices de seca a fim de desenvolver um sistema de informação e alerta precoce de seca para o Sistema Jaguaribe-Metropolitana; a sistematização de uma proposta metodológica de planejamento indicando ações de mitigação e resposta para gerenciamento adaptativo da seca integradas ao SIAPS.
O estudo utiliza diferentes métodos de previsão de afluências e volumes estocados nos reservatórios e nas bacias hidrográficas da região de aplicação. Os métodos de previsão climática sazonal e interanual utilizados foram: downscaling dinâmico de modelos climáticos globais acoplado ao modelo hidrológico do tipo chuva-vazão (SMAP), método semi-paramétrico baseado em uma técnica de reamostragem da série histórica de vazão (k-vizinhos) e em modelo utilizando técnica de redes neurais. A partir desses métodos de previsão foi feito um ensemble de multi-modelos conhecido como pooled ensemble.
Os dados de vazão prevista do ensemble serviram de entrada para um modelo de operação de reservatórios, descrito em Cid (2017), capaz de receber as vazões previstas e dado o volume atual do Sistema Jaguaribe-Metropolitano prognosticar os Níveis Metas (NM) e o Nível de Racionamento (Nrac) que serviram como indicadores do estado de seca atual e futura. Os limiares para cada estado de seca (Normal, Pré-Alerta, Alerta, Emergência I e Emergência II) dados pelos volumes metas do modelo de operação serviram como gatilho para disparar ações de mitigação e resposta às secas. Com a computação do NM e Nrac, foi possível fazer uma integração entre os dados de monitoramento e de previsão, possibilitando a identificação de vulnerabilidades hidroclimáticas e o desenvolvimento de uma matriz de planejamento de aversão ao risco de seca.
O trabalho propõe uma metodologia em que se definirá um conjunto de medidas a serem tomadas de forma contínua, desde estados de normalidade até quadros de seca extrema, utilizando-se de uma matriz de aversão ao risco que leva em consideração o estado atual de seca e a informação da previsão sazonal e interanual de vazões. A matriz foi construída considerando o tomador de decisão averso ao risco. As ações a serem tomadas podem considerar o pior estado de seca entre o estado atual e o estado de seca previsto ou o nível de risco que o tomador decisão está disposto a se expor observando as probabilidades dos estados de secas futuras.
O sistema de gerenciamento de seca proposto nesse estudo é baseado nos três pilares de preparação as secas, que contempla o monitoramento e a previsão sazonal de afluências do sistema hídrico em foco, a análise de vulnerabilidades e o desenvolvimento de ações categorizadas de mitigação para cada estado de seca.
Historicamente o Nordeste Brasileiro (NEB) continua sofrendo grandes impactos associados a seca, bem como as regiões Norte e Sul do país. Apesar do Brasil ter um aparato legal (Lei 9.433/97) avançado em relação aos recursos hídricos, poucos foram os progressos relacionados à política de secas, até existem propostas como a do Ministério da Agricultura para a gestão de riscos climáticos por intermédio de zoneamento agrícola e a Política de Prevenção e Combate à Desertificação, porém até recentemente não havia nenhum plano de preparação e prevenção aos períodos de escassez hídrica para os demais setores da economia, e mesmo nas iniciativas mencionadas as ações de mitigação da problemática se mostram desarticuladas e concentradas mais nas consequências do que nas causas.
O monitor de secas (MSNE) constituiu avanço relevante na política de secas, que teve seu desenvolvimento durante e posteriormente a época de desenvolvimento do SIAPS. No intuito de alcançar uma melhoria na gestão das secas e, com isso, atenuar os impactos causados pela mesma, neste trabalho é desenvolvido um SIAPS a fim de poder detectar, avaliar e prever a situação hídrica de um hidrossistema e uma matriz de ações de preparação e mitigação.
Nesse contexto, o SIAPS aqui proposto possibilita um avanço na gestão de secas, permitindo a identificação prévia de vulnerabilidades do sistema hídrico, bem como servindo como suporte para a elaboração de planejamento adaptativo de secas em regiões urbanas e em bacias hidrográficas. Possibilitando os tomadores de decisões utilizar de uma visão de gerenciamento de riscos de seca, o que permite ações proativas de mitigação e resposta a seca associadas ao uso racional da água e minimização de conflitos, quebrando um ciclo histórico de ações reativas de combate e convivência com a seca.
Como contribuições científicas, técnicas e de inovação deste trabalho têm-se o desenvolvimento do SIAPS, que se constitui em uma ferramenta que possibilita a antecipação de impactos associadas à seca e a proposição de uma metodologia para elaboração e implementação de planejamento proativo de seca capaz de fornecer respostas de mitigação e adaptação a esse evento. Buscando-se utilizar de uma visão de gerenciamento de risco de seca em vez da visão hegemônica atualmente de gerenciamento de crise, propiciando uma melhor gestão de seca para abastecimento hídrico em regiões hidrográficas e cidades.
Em relação as modificações sociais e/ou naturais positivas produzidas têm-se, associada a identificação de impactos e avaliação de vulnerabilidades existentes, a detecção de regiões mais vulneráveis e a qualificação de elementos que suscitam a elaboração de medidas de mitigação da seca dentro de uma lógica proativa, e associada a identificação de ações elegíveis, a redução de vulnerabilidades do sistema as secas e consequentemente a severidade dos impactos. De maneira mais ampla o SIAPS e as ações contempladas tem por objetivo cumprir uma meta de ampliação da oferta, redução da demanda, mitigação de impactos e conflitos associados a seca.
Esse projeto pode ser aplicado em outras localidades, pois todas as etapas de desenvolvimento desse trabalho podem ser adaptadas a realidade do sistema hídrico que se deseja. Os dados históricos são o da localidade que se deseja estudar, a previsão das afluências independentemente do método escolhido depende das vazões históricas da região, bem como a operação prevista do sistema. A identificação dos impactos e vulnerabilidades hídricas do sistema, apesar de serem previamente listados, devem ser disponibilizados para grupos de trabalhos formados por planejadores, gestores e responsáveis pelo abastecimento de água na qual realizarão a identificação dos impactos históricos e existentes e construirão um ranking de severidade dos impactos, em que classificarão os impactos listados como significativo, moderado e menor. A identificação de ações é feita através de levantamento bibliográfico, entrevistas, consultas aos gestores do sistema através de questionários semiestruturados e análises sistemáticas das causas das vulnerabilidades identificadas como prioritárias e ações para reduzir sua ocorrência ou severidade. Os gatilhos, que disparam as ações associados a cada estado de seca, podem ser definidos por meio de otimização ou por conhecimento tácito dos operadores do sistema.
O plano proativo de seca após criado e elaborado com a participação dos atores envolvidos no processo de gestão de recursos hídricos, deve propor alguns mecanismos de avaliação contínua, revisão e atualização com vistas não apenas a verificar a eficiência e a eficácia do plano, mas possibilitar aprendizagem institucional, bem como seu fortalecimento, proporcionará ganho de relevância, credibilidade, sustentabilidade e confiabilidade ao modelo institucional de operacionalização do plano.
Este projeto contou com a colaboração da Companhia de Gestão dos Recursos Hídricos (COGERH), a Companhia de Água e Esgoto do Ceará (CAGECE), a Fundação Cearense de Meteorologia e Recursos Hídricos (FUNCEME).
Como considerações finais, ressalto que o foco desse projeto é a criação de um sistema de informação e alerta precoce de seca (SIAPS), fundamentado no monitoramento e previsão de variáveis hidrometeorológicas e índices de seca, no intuito de dar suporte para a elaboração de planejamento adaptativo urbano de seca.
A elaboração de estratégias metodológicas sistematizadas nesse projeto, foram iniciadas pelo grupo de Gerenciamento do Risco Climático para a Segurança Hídrica (GRC), liderado pelo professor Francisco de Assis de Souza Filho. Esta iniciativa liderada por Luiz Martins de Araújo Júnior foi desenvolvida no âmbito do GRC e do Programa de Pós-Graduação em Engenharia Civil: Recursos Hídricos, Saneamento Ambiental e Geotecnia (POSDEHA) da Universidade Federal do Ceará, que possui conceito Capes nível 7.
Para maiores informações acerca deste trabalho pode-se consultar os artigos do grupo GRC e a tese de doutoramento do líder da iniciativa de pesquisa e desenvolvimento do SIAPS.
FINANCIAMENTO
O Projeto foi financiado parcialmente pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) no âmbito do projeto ADAPTA (Gestão Adaptativa do Risco Climático de Seca) e pela Fundação Cearense de Apoio ao Desenvolvimento Científico e Tecnológico (FUNCAP).
Equipe: Luiz Martins de Araújo Júnior, Francisco de Assis de Souza Filho, Guilherme de Alencar Barreto, Samíria Maria de Oliveira da Silva e Daniel Antônio Camelo Cid
